Começo essa seqüência de histórias para provocar esse mundo insosso em que vivemos. As pessoas precisam acreditar menos na fantasia, mas “fantasiar” a própria realidade com ações em seu ambiente. Ter coragem para caminhar em um mundo de covardes que se escondem em máscaras sociais. É o que procurarei mostrar nessa série.
João e a sua liberdade
João era um grande observador da realidade e sabia ajudar muito bem ao próximo. No entanto, a realidade não conseguia enxergar o grande homem que sempre fora. A sua grandeza não caberia mesmo em palavras e no que costumam dizer sobre ele. Para muitos, o nosso personagem se fazia de vítima e era um fofoqueiro da pior espécie. Então, por que não ver esse cidadão pelas lentes de sua própria vida...
Essa começava às 7 horas da manhã quando tinha que acordar cedo para ir à faculdade. O que faria lá? Diziam que ele vivia o dia inteiro na faculdade e que ficava passeando por lá. Mas não foi isso que me contou...
Ele ía trabalhar com uma senhora que lhe ditava regras, sem mexer uma palha para ajudá-lo. Nesse andar, todos achavam que ela comandava muito bem e auxiliava nas tarefas, quando (na verdade) ficava apenas no computador dando ordens. Calado, João apenas obedecia a sua superior. Dessa forma, fazia o serviço de todos e o dele
À tarde, ele ía almoçar e largava o expediente. Já exausto, encontrava os colegas no campus. E aí João? Já na faculdade? Caramba, você gosta mesmo hein? Que legal! E várias frases se acrescentavam a essas como se o nosso personagem não tivesse feito nenhum esforço até ali.
Depois, resolveu ligar para quem amava e recebeu uma resposta: - Me deixe em paz! Você sempre liga na hora errada! Tenho muitas coisas para fazer. Sim. E o nosso João não tinha nada mesmo. Teve até que aproveitar o horário do almoço como um intervalo propício para ligar, antes que começasse uma aula que iria até as 18h. Com a cabeça cheia, encarava a aula e lia os textos com precisão. Afinal, só sairia da sua faculdade às 22h, quando terminava a última aula. Ele adorava isso tudo.
Às altas horas da noite, pegava o ônibus para voltar a casa. O trocador queria lhe recolher a grana, porque viu no olhar cansado de João a oportunidade de enganá-lo. Mas, rapidamente, com a fagulha de seu espírito, reclamou o troco. E mesmo me disseram, uma vez, que ele não sabia reclamar os próprios direitos.
Passado o sufoco, pensou em ligar para a moça e rever o que havia dito. Afinal, ele ligou na hora errada antes. Não que o horário das 23h fosse propício também, mas era uma forma de tentar se desculpar com a sua amada antes de um novo dia começar. O que ela disse? –Você não aprende, né? Por que insiste? Droga, me esquece. E lá foi João sem ter oportunidade de se explicar. Se explicar pra quê? Ele era inconveniente mesmo...
Às 00:30, chegava o nosso vilão
No outro dia, acordaria cedo e repetiria todo o processo, embora procurasse fazê-lo com um sorriso no rosto de forma diferente. Sempre criava histórias para divertir os seus amigos a partir do que observava em sua realidade. Até que encontrou uma moça que o amava por quem ele era. Esta não ouvia o que outros falavam e percebia o esforço daquele João em transformar cada instante da vida em algo novo. Por isso, para ele, nunca existiu uma primeira vez para nada. Mas diversas vezes para tudo.
Porém, sobre essa moça, prefiro deixar para outra narrativa. E a que ele amava? Você me perguntaria. Acredito que ela talvez não tenha conseguido vê-lo como um pequeno grande homem que é. Pois eles brigavam constantemente. João me disse, mas era opinião do próprio, que ela ouvia o que todo mundo falava dele.
É aqui o foco central da minha narrativa. Espero que todos aprendam com a liberdade de João, que nunca esteve preso à representação de que o mundo social lhe fazia. Perguntei a ele como se sentia e sempre me dizia: -Estou feliz. Como João? Retrucava sem entender esse fofoqueiro de marcar maior. -Sim, meu amigo. Eles podem dizer o que quiser sobre mim, porque o que sou não cabe
E continuava... -Me chamaram de fofoqueiro porque dizia o que pensava sobre os fatos que observava e não os “fantasiava”. Sou vítima, porque reclamei sozinho sem estar preso a qualquer grupo. Ainda que a minha opinião tenha surgido do contato com aqueles que admiro em meu convívio. A vida não é única como tentam nos dizer. Entretanto, tornamos, sim, únicos cada momento dela. Esse é o João. Aprendi muito com ele a valorizar todos em sua única diferença. A liberdade de ser além do dito e do não-dito.